sábado, 15 de janeiro de 2011

Quando minha escola foi assaltada

     Essa semana, ao ver no noticiário local que uma escola particular havia sido assaltada, tive acesso instantâneo à memórias adormecidas. Lembrei com riqueza de detalhes que o mesmo havia acontecido comigo quando eu estava na 4ª série do então 1º grau, atualmente conhecido como ensino fundamental.
     Eu era um garoto magro e alto de 11 anos de idade em mais um dia de aula normal. A escola - ou colégio como costumo chamar - tratava-se do Centro Educacional Montessori, instituição particular onde formei grande parte do meu caráter e que situava-se em Caruaru, cidade do interior de Pernambuco. O modelo de ensino pouco ortodoxo do método montessoriano incluía salas de aula amplas com janelões que proporcionavam contato constante com a natureza, além de contar com bebedouro e banheiro dentro das mesmas (pois é, não tinha como fugir). A professora desse ano (1992) era a querida Dalvani. Ou "Tia" Dalvani, forma carinhosa a qual fomos ensinados a chamar nossas queridas segundas mães. Ó, Deus, como me apegava a essas figuras que faziam parte da minha vida quase que diariamente. Tia Dalvani tinha um porte elegante, muitas vezes autoritário. Sua fama de "durona" era bem conhecida, o que fazia dela uma das mais temidas professoras da minha época. Conseguir sua aprovação e seu sorriso não era uma tarefa fácil, mas quando acontecia nos enchia de satisfação e orgulho. Por esse motivo, presenciar a sua reação diante de um acontecimento tão desesperador como um assalto foi uma experiência impagável.
     O silêncio imperava nos corredores do meu belo colégio. Era uma tarde calma, porém a aula estava prestes a ser interrompida. A secretária que batia na porta de madeira e visores amplos de vidro chamava Tia Dalvani em particular, mas o seu estado denunciava algo grave. A mulher estava visivelmente pálida e a perigosos milímetros da histeria. Enquanto Tia Dalvani tentava se recompor e demonstrar sua elegãncia de sempre ao comunicar os seus queridos alunos do fato, o boato "o colégio está sendo assaltado" já havia chegado a mim na velocidade da luz. Sem acreditar no que estava acontecendo arregalei os olhos e voltei a minha atenção pra ela que começava a acalmar a turma. Dizia com a sua dureza se esvaindo: "Pois bem, vamos todos nos acalmar por que o nosso colégio está sendo assaltado nesse momento". Enquanto os alunos começavam a se manifestar, cada qual à sua maneira, Tia Dalvani aumentava o volume do seu sermão e apaziguava a situação apelando para a oração: "Minha gente, pelo amor de Deus, vamos nos acalmar. Pegue na mão do seu colega, vamos fazer uma roda de oração. Rezemos o 'Pai Nosso' em uníssono e se um desses bandidos tiver a coragem de fazer algum mal a qualquer um de nós o seu coração há de amolecer ao ver uma roda de crianças lindas e puras rezando por misericórdia". Lindas? Nem tanto. Puras? Complicado viu! Eu e meus camaradas estávamos adorando tudo aquilo. O perigo ainda não fazia parte de nossas vidas e sorrir daquela situação parecia ser a melhor saída. Enquanto rezávamos o Pai Nosso, não resisti e abri os olhos. Comecei a olhar ao meu redor e observar a reação de cada indivíduo naquela sala. Uns guardavam sorrisos. Outros choravam. Todos tremiam. Quando pairei o olhar na nossa professora vi uma figura completamente diferente daquela fortaleza diária. Era uma mulher apavorada e prestes a esbofetear algumas das crianças mais gritantes. Afinal, sua vida dependia daquela roda de oração de crianças "lindas e puras" e os sorrisinhos e piadinhas estavam arruinando seu plano. Antes mesmo que a oração chegasse ao seu fim, o mais medroso e histérico dos alunos, largou a roda e partiu aos prantos para o banheiro dentro da sala de aula trancando a porta imediatamente. A Tia Dalvani prontamente absorveu parte do desespero do garoto e gritou: "todos deitados no chão pelo amor de Deus". Aquele garoto preso no banheiro, pedindo socorro parecia ter despertado todos para a gravidade da situação. Foi quando Tia Dalvani percebeu que a atitude do garoto, embora covarde, parecia ser a mais acertada. Perto da porta ela pedia: "Fulaninho, não se desespere. Saia desse banheiro. Tudo vai ficar bem. Não amedronte seus colegas". O fulaninho só chorava e berrava, pronunciando, murmúrios e palavras sem sentido. Tia Dalvani reforçava o pedido: "Fulaninho, saia desse banheiro ou então deixe que outros possam se juntar a você". Antes que o garoto destrancasse a porta e a coitada tivesse de conter a manada de mais de 20 pessoas (incluindo ela mesma) adentrado o minúsculo banheiro, surge Tia Fátima, professora da 3ª série, anunciando o término do assalto e a partida dos bandidos. Pronto, o tormento havia acabado. Lá estava a Tia Dalvani voltando à sua elegância e dureza de sempre mandando todos para os seus lugares. Ainda fazem professores assim?

7 comentários:

  1. Menino, tava devendo uma visita aqui desde que tu começou! Não conhecia esse teu lado de escritor, viu? Devia inventar uma historinha, pra ver se sai tão bem quanto se sai nos relatos da tua vida. :P

    Quando eu tinha 9 anos, eu tinha uma professora que era durona e muito temida pelos alunos, e uma vez ela pediu meu livro emprestado que nunca me devolveu, porque eu tinha medo de pedir de volta. Além de durona, era uma malandrona, ahahah...

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  2. Demorou hein? Seja bem vinda!!! Que professora malandra hein? hehehe Ah, pode deixar! Um dia ainda escrevo um livro! Um passo de cada vez! ;)
    Pra não perder o costume...Blondie Brain!

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  3. Nós sempre temos uma "tia" mais especial dentre aquelas que passaram por nossas vidas. A minha se chama Francelena, professora no longínquo ano de 1986 em Porto Velho. Um tempo atrás entrei em contato com ela pelo Orkut. Obviamente, ela não se lembrou de mim, mas foi bom reencontrá-la. Parabéns pelo blog.

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  4. Pois é Wellington! Todos tivemos alguma "tia" que marcou nossas vidas! Fantástico esse encontro através do Orkut! Vou procurar a Tia Dalvani por lá! Quem sabe ela não se lembra de mim? Abraço.

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  5. É, TEM TIA QUE MARCA NOSSA VIDA, MAS COM CERTEZA TEM ALUNOS E FATOS QUE TAMBÉM NÃO SERÃO ESQUECIDOS PELAS "TIAS". E ESSE OCORRIDO CITADO ACIMA É UM DELES.

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  6. O barato de ler uma história bem contada é que não tem como não entrar no clima. Fiquei aflito até ler o final feliz. Valeu, JR

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