quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Andar de ônibus é bom

     Fazia um bom tempo que eu não andava de ônibus. Na verdade, desde quando tive meu primeiro automóvel, em meados de 2008, andar em coletivos se tornou uma atividade bastante rara pra mim. No final do ano passado conquistei o meu primeiro carro zero e que sensação boa é sair da concessionária num bólido virgem. Aquele cheiro de carro novo e o som do motor urrando ao ser violado com fortes estocadas no pedal direito é algo que revigora a alma (!). E não se engane, a sensação pode sim ser equiparada a uma experiência sexual. Talvez pareça exagero para você mulher, mas para nós homens, que quando crianças   balbuciamos o "vruuuum" antes mesmo de pronunciar qualquer palavra, o negócio é sério. Entenda, você ainda é a razão de nossas existências, mas por favor, não nos faça escolher.
     Voltando ao assunto, resolvi deixar meu carro na equipadora para a instalação de uns acessórios. Levo o carango cedinho a fim de agilizar o serviço e ainda assim o mecânico informa que o mesmo só terminará no meio da tarde. Sem mais, vou lá andar algumas léguas quadras a fim de me dirigir ao ponto de ônibus mais próximo. Eram cerca de 7:40 de uma manhã chuvosa em João Pessoa - PB. Nem me lembrei que essa é a hora do "rush", quando estudantes e trabalhadores utilizam o meio de transporte para chegar em seus destinos. Eu mesmo fiz isso durante toda a minha vida escolar e universitária, mas acredite: alguns anos andando apenas de carro faz você perder o jeito de como é o tal do busão. Lá estava eu, todo faceiro de bermuda e sandália de dedo (erro fatal) subindo no monstro de metal e pagando minha passagem para o inferno ônibus da linha 511 Tambaú. Passei pela roleta e pronto. Parei ali mesmo. Não havia mais espaço no ônibus pra mim. Foi no vão que compreende o final da roleta e o minusculo corredor que dá acesso ao resto do ônibus, que fiz a viagem do centro da cidade até o bairro onde resido, próximo ao litoral. Tudo graças à quantidade absurda de passageiros contidos na tal caixa de metal sobre rodas. Foi neste pequeno espaço que eu, um cara de 1,86 m de altura, me equilibrei com uma das mãos na janela (já que não há barras de apoio no teto nesta parte do ônibus) e a outra na carteira, a fim de evitar que a mesma sumisse "misteriosamente" durante a viagem. Cada pessoa que entrava no ônibus (por que o motorista insistia em abrir aquela porta a cada parada, hein?) fazia a roleta girar e lá estava eu a me contorcer para abrir passagem. A imagem logo abaixo mostra melhor qual era a minha situação, mas o impossível era possível. Custava um dedo do meu pé cada vez que ocorria, mas eu conseguia. Para cada 1 ou 2 pessoas que desciam nas paradas, haviam 3 ou 4 (às vezes 5) subindo. Na metade do percurso, já não aguentava mais e comecei a utilizar meu poder de persuasão e encarar aquelas almas que ameaçavam entrar no ônibus lotado. Confesso que consegui espantar algumas com meu olhar de ódio (ou tristeza).

Eu me espremendo entre os outros passageiros dentro do ônibus

     Fiquei com o corpo dormente, mais precisamente o ombro direito e a nádega direita. Era o momento ideal para lembrar que Deus existe, ponderar a vida, reavaliar a dimensão dos meus problemas e pensar na ex-namorada...até que um certo conforto é atingido ao lembrar com carinho do meu carrinho novo. Dos engarrafamentos dentro dele, onde pelo menos minha bunda descansa confortável. Percebi que quase toda conquista da minha vida foi suada. Há um sabor especial na conquista sofrida e havia percebido que pegar meu carrinho equipado custaria aquela viagem. Quando já estava agradecendo à Deus as intermináveis prestações do financiamento eis que a multidão se esvai e finalmente posso me acomodar num assento.
     Respirei fundo e cheguei à conclusão de que andar de ônibus é bom. Sim, é bom para:

Pagar os pecados;
Testar os limites do corpo;
Ficar por dentro dos sucessos da música popular brasileira;
Lembrar que temos dedos nos pés;
Imaginar que desodorante poderia ser fornecido de graça junto com as camisinhas pelo governo federal;

     Cheguei em casa, esperei algumas horas e liguei pra equipadora. Meu carro estava pronto. Tomei um banho, me vesti (calcei sapatos desta vez) e fui encarar mais uma vez a viagem de coletivo. Pra minha sorte já se passavam das 15:00 e o difícil horário das 14:00 já havia passado. Sossego. Escolhi um belo assento na janela, senti o ar no rosto e aproveitei o passeio. Pude contemplar prédios em sua plenitude, coisa que não consigo fazer ao volante. Pensei bastante na vida e até compus uma nova canção. Havia esquecido que era exatamente isso que eu fazia em meus tempos de estudante. Observava o mundo, as pessoas e a mim mesmo. As intermináveis viagens de ônibus me inspirava, bastava pegar um bom lugar e torcer pra gaiola não lotar. Desci com uma real vontade: deixar o carango em casa pelo menos uma vez por semana e fazer o percurso até o trabalho na "coletividade do coletivo".
     Sigo até a equipadora, avisto o meu brinquedo que parece sorrir ao perceber a presença do dono. Sento no banco macio, sinto seu cheiro de novo, ligo o novo som e sigo viagem. São quase 18:00 e começa uma chuva torrencial. Logo o trânsito vira um caos. Um ônibus lotado passa ao meu lado quase arrancando um dos meus espelhos retrovisores. Pensando bem, acho que farei a tal viagem de coletivo mensalmente...ou melhor, quando houver uma emergência...