domingo, 2 de setembro de 2012

Resenha - Música (Bush - The Sea Of Memories)


Túnel do Tempo

Capa do novo álbum "The Sea Of Memories"
     Vanessa era uma garota louquinha de cabelos loiros mal pintados e filha de pais ricos. A garota torrava boa parte de sua mesada comprando todo tipo de CD. Era uma verdadeira punk de loja. Uma rebelde sem causa. Eu era amigo de Vanessa e ela me ajudou a moldar boa parte do meu caráter musical. Fui praticamente obrigado a ouvir o tal novo CD da tal nova banda do momento sob a alegação de ser, segundo ela, "melhor do que o Nirvana"! O álbum em questão era o Razorblade Suitcase. O ano em questão era 1996 e a banda em questão era o Bush. A primeira audição foi traumática. Ouvi a bolacha munido até os dentes de preconceito. Só enxergava uma banda tentando soar igual ao Nirvana ou pior, um vocalista tentando ser o Kurt Cobain. Entreguei o CD no dia seguinte e nem fiz a gravação em fita cassete como de costume, tamanha era a minha indiferença. Passaram-se alguns dias e algo havia acontecido. Os riffs de guitarra, as letras confusas e os sons clássicos destoantes começaram a brotar em minha memória. Algo inédito acontecia comigo. Passei a desejar ouvir novamente o CD. Precisava de uma segunda opinião. Havia algo muito estranho e extraordinário ali e só depois percebi do que se tratava. Era o Bush.


New grunge, pós-grunge, quem se importa?

     Embora o nome Bush fatalmente nos remeta ao ex-presidente norte-americano, a banda nada tem a ver com o tão querido (hehehe) político. A origem está no bairro onde o grupo vivia no início da carreira, o tal do Sheperd's Bush, situado em Londres na Inglaterra. No meio da década de 90, o movimento conhecido como grunge (que compreendia toda e qualquer banda de cabeludos com camisas de flanela oriundos da cidade de Seattle nos EUA) começava a abrir espaço também para aquelas bandas de outras partes do globo. Pode-se dizer que Bush foi uma das mais emblemáticas bandas fora desse círculo fechado, fazendo um estrondoso sucesso e escalando vorazmente as paradas com um sensacional álbum de estréia, o Sixteen Stone de 1994. A canção "Glycerine", uma espécie de balada grunge com elementos clássicos se tornou um verdadeiro hino. Frases contidas nesta canção como "you got a beautiful taste" ainda mexem comigo cada vez que a ouço. O vocalista e mentor da banda, Gavin Rossdale, surgia misterioso, com uma voz rouca e potente, muito parecida com a do Kurt Cobain, vocalista do Nirvana, banda expoente do movimento na época.
     Eis que o mundo gira, Kurt Cobain mete uma bala na cabeça, muitos se sentem órfãos e o foco agora é no chamado pós-grunge. Bush passa a viver seus dias de glória. Com o lançamento do álbum Razorblade Suitcase, em 1996, a banda consolida sua influência no mundo da música, lotando estádios e se tornando a queridinha da MTV, com clipes memoráveis e extremamente bem produzidos. O megalomaníaco vídeo do single "Greedy Fly" pode ser considerado um curta cinematográfico de alto orçamento e é lembrado como um dos vídeos mais legais daquela década (sem contar a música que é uma verdadeira porrada na cabeça). O álbum ainda contou com a ótima "Swallowed" (que tinha seu vídeo exibido à exaustão). Nessa época o Gavin engatou um romance com a gracinha da Gwen Stefani, a então vocalista do No Doubt e a história de amor dos dois atravessou os anos, continuando firme e forte até os dias de hoje. Um verdadeiro feito, se considerarmos a rotatividade amorosa das estrelas da música. Na sequência vieram turnê, trilha de filme e um álbum de remix, com as principais canções do Bush em roupagem eletrônica. Algo inusitado e até estranho, porém de muita qualidade.


Tudo que sobe...

     Após um bom tempo produzindo aquele que seria o próximo álbum, Gavin e seus comparsas entregam o álbum The Science Of Things em 1999, uma senhora evolução do som dos caras, com riffs inspiradíssimos e influência de sons eletrônicos. Havia algo errado no mundo, pois o álbum não atingiu o sucesso esperado mesmo com o single "The Chemical Between Us" e a belíssima balada "Letting The Cables Sleep" fazendo um relativo sucesso na MTV. Ao que tudo indicava o grande público não estava pronto para mudanças. Em 2001, ano do atentado ao World Trade Center (péssimo momento para vários artistas que lançaram álbuns naquele ano) o Bush tenta sua redenção lançando Golden State. Uma verdadeira volta às raízes num álbum redondo e agressivo. Ótimo álbum mas um belo de um fracasso em vendas. Durante a turnê, o guitarrista (e careca sinistro) Nigel Pulsford, resolve deixar a banda. Não precisava ser vidente pra saber onde isso chegaria. Um hiato. Ou um final prematuro.

Formação clássica do Bush. Da esquerda pra direita: Robin Goodridge (batera),  Dave Parsons (baixo), Gavin Rossdale (vocal e guitarra) e Nigel Pullsford (guitarra)

Gavin, o seu lugar é no Bush

Gavin Rossdale e Gwen Stefani, eternamente gata
     O mundo gira mesmo, hein? Quem poderia imaginar que o talentoso Gavin, aclamado por performances cheias de energia, considerado até símbolo sexual no auge de sua carreira (no auge até os mais feios se tornam atraentes), acabaria esquecido e reduzido ao "marido da Gwen Stefani". Pois é, sua mulher acabou vingando muito bem na carreira solo deixando o cara em casa, fazendo a comida, limpando os trecos e cuidando dos filhotes. Ele até que tentou. Em 2002 escreveu uma canção para o filme de ação Triplo X (XXX, 2002) - talvez a melhor coisa do filme. Todos os fãs clamavam pela volta do Bush, mas o Nigel continuava irredutível e preferia a morte do que voltar a fazer turnês. Impaciente, Gavin chutou o balde e em 2004 resolveu montar uma banda. Com o nome de Institute e lançando o álbum Distort Yourself o que se viu e se ouviu é que Gavin era mesmo a espinha dorsal do Bush. O álbum era competentíssimo e soava como um Bush revigorado, extremamente pesado com riffs alucinantes e PQP, eu adorei! Uma grande parte dos fãs queriam o verdadeiro Bush, eu mesmo embora tivesse adorado o Institute, também sentia falta. Ah, o Institute não deu nem pro começo. Nos anos seguintes o cara se aventurou no cinema fazendo pontas em alguns filmes (o mais memorável foi ao lado de Keanu Reeves em Constantine de 2005) e escrevendo para o seu primeiro álbum solo. O tão aguardado álbum do Gavin saiu em 2008, com o nome de Wanderlust e visava alçar o cara (mesmo que de forma velada) ao mundo pop. Embora ele tenha todos os requisitos para o feito, essa definitivamente não é a sua praia. Os fãs tripudiaram o álbum e essa talvez tenha sido a gota d'água para que Gavin tenha pensado em reunir a banda novamente mesmo que alguns dos integrantes não estivessem de acordo. Eu faria o mesmo.


The Sea Of Memories


     Eu, como um bom fã, esperei e esperei por esse momento. É uma sensação maravilhosa poder ouvir algo novo relacionado à banda após 10 anos. Em setembro de 2011 o Bush anuncia o seu novo álbum de inéditas. O "The Sea Of Memories". O que dizer sobre o novo álbum de uma banda do passado com metade da sua formação original? Bom, sou gato escaldado e embora as esperanças estivessem em dia, sabia lá no fundo que um retorno às raízes da banda seria algo bem distante de acontecer, afinal, isso só agradaria os fãs e me parece que o Gavin ainda se preocupa muito em conquistar as paradas de sucesso do mundo musical. Alguém por favor avisa pra ela que essa é uma guerra perdida, pelo amor de Deus! Mesmo com claras influências do seu trabalho solo (argh), fiquei muito contente com o resultado. Liguei o som no talo e comecei a sentir a pancada. Não é tão furioso, mas ainda tem coisas magníficas. A nova formação parece muito bem afiada e os novos integrantes se destacam, principalmente o guitarrista Chris Traynor, que já havia tocado com a banda durante a turnê Golden State. O cara conseguiu imprimir seu estilo muito bem entregando ótimos momentos ao álbum. O baixista Corey Britz cumpre bem o árduo papel de substituir Dave Persons. O moleque chega a surpreender nos teclados. O batera e único membro da formação original que acreditou no Gavin, Robin Goodridge, continua em forma. Sobre o Gavin é visível a sua maturidade. O cara está bem à vontade e sua voz rouca e potente continua em forma, bem como o seu dom para letras incomuns. The Sea Of Memories tenta pegar um pouco de tudo aquilo que a banda banda já produziu e adaptar à nova geração. Temos músicas irmãs ou primas de sucessos antigos. Algumas experimentações devem desagradar os fãs mais ferrenhos. Percebi uma clara influência do álbum The Science Of Things e um "oitentismo" muito bem vindo.
     Com qualidade indiscutível, The Sea Of Memories é um retorno digno, que não descaracteriza as raízes da banda ao fleratr com a nova geração. A fórmula pode até não dar muito certo e o sucesso comercial não ser o esperado, mas o Bush ainda empolga e muito.

Formação atual do Bush. Da esquerda pra direita: Robin Goodridge (batera),  Chris Traynor (guitarra), Corey Britz (baixo) e Gavin Rossdale (vocal e guitarra)


Faixa a Faixa

01. The Mirror Of The Signs
PQP! Que bela escolha para se iniciar um álbum! Essa canção é simplesmente animal! Aqui temos um Bush altamente revigorado, pronto para as novas gerações. Ouvir essa canção assim de cara me fez ter as melhores expectativas para o resto do álbum. Se esse é o novo Bush pode vir com tudo!

02. The Sound Of Winter
Impossível ouvir essa canção e não lembrar de "A Tendency To Start Fires" do "Razorblade Suitcase". Plagiar a si mesmo pode, né? Cara, esse Chris Traynor tirou onda, hein? Muita coragem a dele demonstrar tanta personalidade. Mais uma música competente (o vídeo tá lá embaixo).

03. All My Life
Mais uma excelente canção e logo de cara mais uma demonstração de personalidade do Chris. Sua guitarra parece estar na frente de todo mundo. Me agradou muito.

04. Afterlife
Quanta diferença! Essa versão final está "beeeem" diferente daquela que saiu meses antes do lançamento do álbum, hein? O que pra mim foi uma grande broxada na época agora de cara se tornou uma das melhores do álbum. O baixo recebeu o peso que merecia e o tom dançante ficou menos escrachado. O resultado é mais uma canção que flerta com a nova geração e que se distancia bastante das raízes do Bush, mas tem uma energia fantástica que merece muita atenção. Em tempo, gostaria de saber de onde o Gavin tira frases como "Don't let the bed bite". Demais!

05. All Night Doctors
É uma espécie de revisitação à consagrada "Glycerine". Detalhe para a semelhança da guitarra suja do Gavin permeando toda a canção. Quem encara os pianos é o baixista Corey Britz (ex-The Calling) que demonstra um baita talento com as teclas, dando uma atmosfera bem intimista e inusitada à canção. A letra é um espetáculo á parte. Procure pela tradução se puder e entenda porque sou fã.

06. Baby Come Home
PQP mais uma vez! Esse Chris ganhou meu respeito e admiração imediatos. Que entrada animal! Que riff belíssimo. Que viagem oitentista! E cara, que música! Ponto altíssimo do álbum (Confere o clipe lá embaixo, faz favor). Trechos como "Shall we dance before the ambulance comes" me faz repetir: De onde o Gavin tira uma parada dessas? Genial! Ah, senti uma leve semelhança com "The People That We Love" do álbum "The Golden State", nas partes que antecedem os refrões.

07. Red Light
Ufa, depois de uma pérola, vem essa genérica canção. Bem distante do Bush, mais voltada pro trabalho solo do Gavin. Soa como um U2 feliz. Não compromete o álbum, mas dá uma certa quebrada no ritmo estonteante que vinha sendo construído até então.

08. She's a Stallion
Essa música me deixou muito puto! Após uma introdução de quase 40 segundos, cheia de emoção que mais parecia uma preparação para uma explosão nuclear, vem um riff até interessante, mas completamente enfraquecido pelos gritinhos de Rick Martin do Gavin. Pô, cara! Estragou a música que tinha um potencial muito bacana, com uma letra bem interessante. Não desceu muito bem não!

09. I Believe In You
I Believe In You mais parece uma sobra de estúdio do álbum solo do Gavin com um tapa pra se adequar a um álbum com o peso do nome Bush estampado nele. Resultado: temos um riff animal e um refrão estonteante, mas há uma certa quebra no meio disso tudo. Um ar melódico que denuncia sua possível origem. Diferente da primeira faixa do álbum, essa é a experimentação do Bush tradicional com o Bush moderno que não dá certo na minha opinião.

10. Stand Up
Opa! Finalmente! Não, o peso não voltou. O álbum ainda soa estranho, mas essa daqui, dentro desse novo conceito é muito bem vinda. Há um certo peso e melodia que denunciam que ali, atrás disso tudo existem músicos de primeira. A letra é uma das mais legais que ouvi nos últimos tempos (mais uma pra você procurar a tradução o quanto antes). Gavin em ótima forma.

11. The Heart Of The Matter 
Mais um aparente legado do álbum solo do Gavin. Temos a sonoridade do Bush, seu baixo marcante, batera competente e um riff mais domesticado mas não passa de mais uma canção genérica.

12. Be Still My Love
Um final decente! Um retorno à uma atmosfera já visitada. Consigo sentir nuances de "40 Miles from the Sun" do álbum "The Science Of Things" e de "Inflatable" do "The Golden State". Ótimo trabalho do batera Robin Goodridge dando aquele tom estranho e um pouco desconexo que é marca registrada do Bush, que sabe muito bem como fazer baladas estranhas e tocantes (ouça e aprenda como ser romântico sem ser piegas em uma banda de rock). A frase "Our love is ocean sized" causa Déjà Vu. Na verdade o "Ocean Size" é repetido várias vezes em "All My Life" e parecem justificar o "mar de memórias" do título do álbum.


Primeiro video do novo álbum. The Sound Of Winter:




Segundo video do novo álbum. Baby Come Home:



Site oficial da banda: www.bushofficial.com

Um comentário:

  1. Muito legal o sua resenha !! Sou fa da banda e faz tempo não escutava nada deles. Estou escutando tudo desde o começo da banda.
    A musica mais triste que eu ja escutei até hoje é Out Of This World !
    Gostaria que o Gavin cantasse mais musicas assim !!!

    A banda esta se empenhando nos shows, Gavin elétrico mas todo video que eu vejo no youtube, nao tem muita gente pulando e cantando junto com a banda.

    ResponderExcluir