Túnel do Tempo
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Capa do novo álbum "The Sea Of Memories" |
Vanessa era uma garota louquinha de
cabelos loiros mal pintados e filha de pais ricos. A garota torrava boa parte
de sua mesada comprando todo tipo de CD. Era uma verdadeira punk de loja. Uma
rebelde sem causa. Eu era amigo de Vanessa e ela me ajudou a moldar boa parte
do meu caráter musical. Fui praticamente obrigado a ouvir o tal novo CD da tal
nova banda do momento sob a alegação de ser, segundo ela, "melhor do que
o
Nirvana"! O álbum em questão era o
Razorblade Suitcase. O ano em questão era
1996 e a banda em questão era o
Bush. A primeira audição foi
traumática. Ouvi a bolacha munido até os dentes de preconceito. Só enxergava
uma banda tentando soar igual ao Nirvana ou pior, um vocalista tentando ser
o
Kurt Cobain. Entreguei o CD no dia seguinte e nem fiz a gravação
em fita cassete como de costume, tamanha era a minha indiferença. Passaram-se
alguns dias e algo havia acontecido. Os riffs de guitarra, as letras confusas e
os sons clássicos destoantes começaram a brotar em minha memória. Algo inédito
acontecia comigo. Passei a desejar ouvir novamente o CD. Precisava de uma
segunda opinião. Havia algo muito estranho e extraordinário ali e só depois
percebi do que se tratava. Era o Bush.
New grunge, pós-grunge, quem se importa?
Embora o nome Bush
fatalmente nos remeta ao ex-presidente norte-americano, a banda nada tem a ver
com o tão querido (hehehe) político. A origem está no bairro onde o grupo vivia
no início da carreira, o tal do Sheperd's
Bush, situado em Londres na Inglaterra. No meio
da década de 90, o
movimento conhecido como grunge (que
compreendia toda e qualquer banda de cabeludos com camisas de flanela oriundos
da cidade de Seattle nos EUA)
começava a abrir espaço também para aquelas bandas de outras partes do globo.
Pode-se dizer que Bush foi uma das mais emblemáticas bandas fora desse círculo
fechado, fazendo um estrondoso sucesso e escalando vorazmente as paradas com um
sensacional álbum de estréia, o Sixteen
Stone de 1994. A canção "Glycerine",
uma espécie de balada grunge com elementos clássicos se tornou um verdadeiro
hino. Frases contidas nesta canção como "you got a beautiful taste"
ainda mexem comigo cada vez que a ouço. O vocalista e mentor da banda, Gavin Rossdale, surgia
misterioso, com uma voz rouca e potente, muito parecida com a do Kurt Cobain, vocalista do Nirvana, banda expoente do
movimento na época.
Eis que o mundo gira,
Kurt Cobain mete uma bala na cabeça, muitos se sentem órfãos e o foco agora é
no chamado pós-grunge.
Bush passa a viver seus dias de glória. Com o lançamento do álbum Razorblade
Suitcase, em 1996, a
banda consolida sua influência no mundo da música, lotando estádios e se
tornando a queridinha da MTV,
com clipes memoráveis e extremamente bem produzidos. O megalomaníaco vídeo do
single "Greedy Fly" pode
ser considerado um curta cinematográfico de alto orçamento e é lembrado como um
dos vídeos mais legais daquela década (sem contar a música que é uma verdadeira
porrada na cabeça). O álbum ainda contou com a ótima "Swallowed" (que tinha seu vídeo exibido à
exaustão). Nessa época o Gavin engatou um romance com a gracinha da Gwen Stefani, a então vocalista do No
Doubt e a história de amor
dos dois atravessou os anos, continuando firme e forte até os dias de hoje. Um
verdadeiro feito, se considerarmos a rotatividade amorosa das estrelas da
música. Na sequência vieram turnê, trilha de filme e um álbum de remix, com as
principais canções do Bush em roupagem eletrônica. Algo inusitado e até
estranho, porém de muita qualidade.
Tudo que sobe...
Após um bom tempo
produzindo aquele que seria o próximo álbum, Gavin e seus comparsas entregam o
álbum The Science Of Things em 1999, uma senhora evolução do
som dos caras, com riffs inspiradíssimos e influência de sons eletrônicos.
Havia algo errado no mundo, pois o álbum não atingiu o sucesso esperado mesmo
com o single "The Chemical Between Us" e a belíssima
balada "Letting The Cables Sleep" fazendo um
relativo sucesso na MTV. Ao que tudo indicava o grande público não estava
pronto para mudanças. Em 2001,
ano do atentado ao World Trade
Center (péssimo momento para vários artistas que lançaram álbuns
naquele ano) o Bush tenta sua redenção lançando Golden State. Uma verdadeira
volta às raízes num álbum redondo e agressivo. Ótimo álbum mas um belo de um
fracasso em vendas. Durante a turnê, o guitarrista (e careca sinistro) Nigel
Pulsford, resolve deixar a banda. Não
precisava ser vidente pra saber onde isso chegaria. Um hiato. Ou um final
prematuro.
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Formação clássica do Bush. Da esquerda pra direita: Robin Goodridge (batera), Dave Parsons (baixo), Gavin Rossdale (vocal e guitarra) e Nigel Pullsford (guitarra) |
Gavin, o seu lugar é no Bush
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Gavin Rossdale e Gwen Stefani, eternamente gata |
O mundo gira mesmo,
hein? Quem poderia imaginar que o talentoso Gavin, aclamado por performances
cheias de energia, considerado até símbolo sexual no auge de sua carreira (no
auge até os mais feios se tornam atraentes), acabaria esquecido e reduzido ao
"marido da Gwen Stefani". Pois é, sua mulher acabou vingando muito
bem na carreira solo deixando o cara em casa, fazendo a comida, limpando os
trecos e cuidando dos filhotes. Ele até que tentou. Em
2002 escreveu uma canção para o filme de
ação
Triplo X (XXX, 2002) -
talvez a melhor coisa do filme. Todos os fãs clamavam pela volta do Bush, mas o
Nigel continuava irredutível e preferia a morte do que voltar a fazer turnês.
Impaciente, Gavin chutou o balde e em 2004 resolveu montar uma banda. Com o
nome de
Institute e lançando o álbum
Distort Yourself o que se viu e se ouviu é que
Gavin era mesmo a espinha dorsal do Bush. O álbum era competentíssimo e soava
como um Bush revigorado, extremamente pesado com riffs alucinantes e PQP, eu
adorei! Uma grande parte dos fãs queriam o verdadeiro Bush, eu mesmo embora
tivesse adorado o Institute, também sentia falta. Ah, o Institute não deu nem
pro começo. Nos anos seguintes o cara se aventurou no cinema fazendo pontas em
alguns filmes (o mais memorável foi ao lado de
Keanu Reeves em
Constantine de
2005)
e escrevendo para o seu primeiro álbum solo. O tão aguardado álbum do Gavin
saiu em
2008, com o nome
de
Wanderlust e visava alçar o cara (mesmo que
de forma velada) ao mundo pop. Embora ele tenha todos os requisitos para o
feito, essa definitivamente não é a sua praia. Os fãs tripudiaram o álbum e
essa talvez tenha sido a gota d'água para que Gavin tenha pensado em reunir a
banda novamente mesmo que alguns dos integrantes não estivessem de acordo. Eu
faria o mesmo.
The Sea Of Memories
Eu, como um bom fã, esperei e esperei por
esse momento. É uma sensação maravilhosa poder ouvir algo novo relacionado à
banda após 10 anos. Em setembro de 2011 o Bush anuncia o seu novo álbum de
inéditas. O "The Sea Of
Memories". O que dizer sobre o novo álbum de uma banda do passado com metade da sua formação original? Bom, sou gato escaldado e embora as esperanças estivessem em dia, sabia lá no fundo que um retorno às raízes da banda seria algo bem distante de acontecer, afinal, isso só agradaria os fãs e me parece que o Gavin ainda se preocupa muito em conquistar as paradas de sucesso do mundo musical. Alguém por favor avisa pra ela que essa é uma guerra perdida, pelo amor de Deus! Mesmo com claras influências do seu trabalho solo (argh), fiquei muito contente com o resultado. Liguei o som no talo e comecei a sentir a pancada. Não é tão furioso, mas ainda tem coisas magníficas. A nova formação parece muito bem afiada e os novos integrantes se destacam, principalmente o guitarrista Chris Traynor, que já havia tocado com a banda durante a turnê Golden State. O cara conseguiu imprimir seu estilo muito bem entregando ótimos momentos ao álbum. O baixista Corey Britz cumpre bem o árduo papel de substituir Dave Persons. O moleque chega a surpreender nos teclados. O batera e único membro da formação original que acreditou no Gavin, Robin Goodridge, continua em forma. Sobre o Gavin é visível a sua maturidade. O cara está bem à vontade e sua voz rouca e potente continua em forma, bem como o seu dom para letras incomuns. The Sea Of Memories tenta pegar um pouco de tudo aquilo que a banda banda já produziu e adaptar à nova geração. Temos músicas irmãs ou primas de sucessos antigos. Algumas experimentações devem desagradar os fãs mais ferrenhos. Percebi uma clara influência do álbum The Science Of Things e um "oitentismo" muito bem vindo.
Com qualidade indiscutível, The Sea Of Memories é um retorno digno, que não descaracteriza as raízes da banda ao fleratr com a nova geração. A fórmula pode até não dar muito certo e o sucesso comercial não ser o esperado, mas o Bush ainda empolga e muito.
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Formação atual do Bush. Da esquerda pra direita: Robin Goodridge (batera), Chris Traynor (guitarra), Corey Britz (baixo) e Gavin Rossdale (vocal e guitarra) |
Faixa a Faixa
01. The Mirror Of The Signs
PQP! Que bela escolha para se iniciar um
álbum! Essa canção é simplesmente animal! Aqui temos um Bush altamente
revigorado, pronto para as novas gerações. Ouvir essa canção assim de cara me
fez ter as melhores expectativas para o resto do álbum. Se esse é o novo Bush pode vir com tudo!
02. The Sound Of Winter
Impossível ouvir essa canção e
não lembrar de "A Tendency To Start Fires" do "Razorblade
Suitcase". Plagiar a si mesmo pode, né? Cara, esse Chris Traynor
tirou onda, hein? Muita coragem a dele demonstrar tanta personalidade. Mais uma
música competente (o vídeo tá lá embaixo).
03. All My Life
Mais uma excelente canção e logo de cara
mais uma demonstração de personalidade do Chris. Sua guitarra parece estar na
frente de todo mundo. Me agradou muito.
04. Afterlife
Quanta diferença! Essa versão final está
"beeeem" diferente daquela que saiu meses antes do lançamento do
álbum, hein? O que pra mim foi uma grande broxada na época agora de cara se tornou
uma das melhores do álbum. O baixo recebeu o peso que merecia e o tom dançante
ficou menos escrachado. O resultado é mais uma canção que flerta com a nova
geração e que se distancia bastante das raízes do Bush, mas tem uma energia
fantástica que merece muita atenção. Em tempo, gostaria de saber de onde o
Gavin tira frases como "Don't let the bed bite". Demais!
05. All Night Doctors
É uma espécie de revisitação à
consagrada "Glycerine". Detalhe para a semelhança da guitarra suja do
Gavin permeando toda a canção. Quem encara os pianos é o baixista Corey Britz (ex-The Calling) que demonstra um baita talento com as teclas, dando uma atmosfera bem
intimista e inusitada à canção. A letra é um espetáculo á parte. Procure pela
tradução se puder e entenda porque sou fã.
06. Baby Come Home
PQP mais uma vez! Esse Chris ganhou meu
respeito e admiração imediatos. Que entrada animal! Que riff
belíssimo. Que viagem oitentista! E cara, que música! Ponto altíssimo do álbum (Confere o clipe lá embaixo, faz favor). Trechos como "Shall we dance before the ambulance comes" me
faz repetir: De onde o Gavin tira uma parada dessas? Genial! Ah, senti uma leve
semelhança com "The People That We Love" do álbum "The
Golden State", nas partes que antecedem os refrões.
07. Red Light
Ufa, depois de uma pérola, vem essa
genérica canção. Bem distante do Bush, mais voltada pro trabalho solo do Gavin.
Soa como um U2 feliz. Não compromete o álbum, mas dá uma certa quebrada no
ritmo estonteante que vinha sendo construído até então.
08. She's a Stallion
Essa música me deixou muito puto! Após uma
introdução de quase 40 segundos, cheia de emoção que mais parecia uma
preparação para uma explosão nuclear, vem um riff até interessante, mas
completamente enfraquecido pelos gritinhos de Rick
Martin do Gavin. Pô, cara!
Estragou a música que tinha um potencial muito bacana, com uma letra bem
interessante. Não desceu muito bem não!
09. I Believe In You
I Believe In You mais parece uma sobra de
estúdio do álbum solo do Gavin com um tapa pra se adequar a um álbum com o peso do nome Bush estampado nele.
Resultado: temos um riff animal e um refrão estonteante, mas há uma certa
quebra no meio disso tudo. Um ar melódico que denuncia sua possível origem. Diferente da primeira faixa do álbum, essa é a
experimentação do Bush tradicional com o Bush moderno que não dá certo na minha
opinião.
10. Stand Up
Opa! Finalmente! Não, o peso não voltou. O
álbum ainda soa estranho,
mas essa daqui, dentro desse novo conceito é muito bem vinda. Há um certo peso
e melodia que denunciam que ali, atrás disso tudo existem músicos de primeira. A letra é uma das mais legais que ouvi nos últimos tempos (mais uma pra você
procurar a tradução o quanto antes). Gavin em ótima forma.
11. The Heart Of The Matter
Mais um aparente legado do álbum solo do Gavin. Temos a sonoridade do Bush, seu baixo marcante, batera
competente e um riff mais domesticado mas não passa de mais uma canção genérica.
12. Be Still My Love
Um final decente! Um retorno à uma
atmosfera já visitada. Consigo sentir nuances de "40
Miles from the Sun" do álbum "The Science Of Things" e de
"Inflatable" do "The Golden State". Ótimo trabalho do batera Robin
Goodridge dando aquele tom estranho e um pouco desconexo que é marca registrada
do Bush, que sabe muito bem como fazer baladas estranhas e tocantes (ouça e
aprenda como ser romântico sem ser piegas em uma banda de rock). A frase
"Our love is ocean sized" causa Déjà Vu. Na verdade o "Ocean Size" é repetido várias
vezes em "All My Life" e parecem justificar o "mar de
memórias" do título do álbum.
Primeiro video do novo álbum. The Sound Of Winter: